sexta-feira, janeiro 29, 2010

História dos Hot Rods


Quando vemos os dragsters flamejantes de hoje em dia correndo pelas pistas, é difícil imaginar que tudo começou a muitos anos atrás, como um meio de evitar os rachas de rua nos EUA.


De um certo modo foi a evolução natural dos rachas que nasceram na década de 30 com os hot rods.
No meio da década de 30, alguns jovens americanos começaram a buscar emoções na velocidade dos carros. Sem livros ou revistas para guiá-los, eles aprendiam da imaginação. Com carros primitivos de apenas 4 cilindros já cruzavam os leitos do lagos (isso mesmo, lagos secos daCalifórnia) há uma velocidade bem acima dos 160 Km/h, quando a velocidade de um Ford Bigode retirado da fábrica era de apenas 72 Km/h. Um aumento fenomenal de desempenho foi conseguido por amadores. Não conheciam muito de aerodinâmica, mas sabiam que aliviando o peso retirando algumas partes do meio do carro e tudo que resistisse ao vento, conseguiam ganhar mais rendimento dos motores.


Engenhosidade e inovação eram duas grandes aliadas. Aprendia-se tudo por conta própria e no fim de semana seguinte, saberia-se se sua teoria funcionava. Se você fosse o mais rápido, os outros pilotos iriam querer saber o que você havia feito. Algumas pessoas se davam melhor criando equipamentos de velocidade, e quando venciam os outros queriam comprar deles, e não demorou para alguns notarem que poderiam faturar com as corridas.
Para exibir seus velozes carros nos lagos, os pilotos competiam numa primitiva forma de drag race. No começo a organização era muito ruim, as primeiras corridas típicas dos anos 30, eram semi-organizadas. Um grupo se unia, arranjava cronômetros, aceitava inscrições e a corrida acontecia.
Mais ela ficou mais popular e mais carros apareceram e começou a ficar perigoso, pois colisões começaram a acontecer. Alinhavam uns 10 carros por prova com o pace-car na ponta e largavam em movimento em uma pista de 5 Km. Se você saísse na frente poderia ver, senão ficava dentro da poeira e corria o risco de colidir.
Em 1937 cinco clubes de hot rods formaram o STCA – South Califórnia, para dar ordem ao caos. Rapidamente os membros do STCA, criaram novos procedimentos de segurança e elevaram o esporte a um nível profissional.

Em 1932, antes do Ford Bigode se tornar o mais popular nos lagos, a Ford introduziu um motor mais veloz, o V8. O motor "levantou ondas" nos lagos secos, a nova combinação de motor da Ford com o "Roadster" ja existente era a ideal para correr. Original de fábrica, tinha mais cavalos de força e inovações que o tornariam o carro base ideal para corredores de hot rods, pois além disto, possuía um ótimo chassis onde não eram necessárias muitas modificações, com um preço acessível, ótimo visual e já sem paralamas era perfeito.
Porém a evolução do esporte teria que esperar, pois quando os EUA rumavam para a recuperação da grande depressão a II Guerra estourou pelo mundo.
Os corredores dos lagos voltaram suas atenções de roadsters envenenados para jipes e tanques. A idéia de corridas futuras ajudou muitos a superar os 4 anos seguintes.
Após a guerra muitos voltaram com o sentimento de recuperar o tempo perdido. Para alguns, isso significava voltar a caçar a velocidade automotiva, eles levaram os hot rods a um novo nível.
Muitos soldados economizaram bastante e voltaram da guerra com habilidades e ferramentas, pois haviam sido treinados e mexiam com aviões. Compravam Ford’s antigos e carros excedentes do exército, arranjavam um motor 324 e estavam prontos para voltar aos lagos.
O exército ajudou a popularizar o esporte.
Muitos soldados do Sul da Califórnia falavam sobre a glória de correr nos lagos secos.
Havia o desejo de continuar com aquilo, e um carro usado já não era tão caro. Assim a SCTA foi reativada e continuou com os eventos nos lagos para seus sócios. Antes da guerra havia um grupo limitado, depois da guerra havia carros parados ao longo da reta, até a chegada esperando para ver os carros passar. Foi chocante para quem já havia estado lá.
O clássico Roadsters não foi a única forma com que os corredores experimentaram.
Qualquer forma ou material de qualquer lugar poderia acabar no carro. Alguns pilotos compravam tanques de combustíveis excedentes dos aviões P-38 e transformavam em carros aerodinâmicos.
Custasse o que fosse, velocidade era o que importava.
A emoção passou dos lagos para as ruas do sul da Califórnia. Em qualquer noite poderia se encontrar corredores nas estradas exibindo seus carros. Após a guerra, isto virou "coisa para macho". E você tinha que exibir o equipamento que construíra. Um lugar natural para fazer isto eram os “drive-ins”, onde você poderia além de passar exibindo o carro, desafiar alguém a competir com seu carro.





Sempre que muitos Hot Rods se juntavam, alguém ia querer desafiar alguém.
Queriam ver quem era mais rápido. A rua era o lugar mais fácil e acessível.
Haviam lugares favoritos, áreas com retas compridas e sem cruzamentos por uma questão de segurança.
Também costumavam ficar bem longe das delegacias de polícia, outra questão importante.
Os rachas no começo, não eram tão perigosos e descuidados. Envolviam apenas alguns carros competindo em lugar isolado. Mas a coisa cresceu e tornou-se um problema, até uma ameaça que incomodava a polícia. As pessoas se preocupavam com os rachas e a polícia começou a agir, e muitos políticos também viram a oportunidade de chamar a atenção. Da mesma forma que existiam políticos contra, querendo aparecer, haviam políticos a favor, e não sabiam se os que corriam nas ruas eram os mesmos que corriam nos lagos, mas corriam.
Apoiado pelos jornais, pelo Conselho Nacional de Segurança e pela legislação da Califórnia, a polícia declarou guerra aos Hot Rods. Chamavam as corridas de uma forma de anarquia que precisava acabar. As polícias cassavam os corredores com arsenal de intimações, ameaças, prisões e multas. Muitos se recusavam a agir seriamente, outros sabiam que precisavam correr o mínimo para não arriscar perder o seu esporte. Os Hot Rods ficaram com má fama.
Com o fim da Segunda Guerra o termo Hot Rod ficou meio ruim. A mídia depreciou o termo e o grupo que era o STCA resolveu agir para melhorar esta imagem e influenciar outros a fazer o mesmo. Seria necessário um esforço combinado de muita gente para mudar a fama dos Hot Rods.
Defendendo as corridas estava Robert Petersen, um jovem publicitário de estúdios de cinema desempregado. Ele se juntou a alguns amigos e abriu uma firma de relações públicas que recebeu um trabalho fortuito. O trabalho era fazer relações públicas para o corredor Mad Man Muntz, onde Petersen sugeriu um show de Hot Rods para arrecadar muito dinheiro e construir a pista “Earl Muntz”.
Petersen foi contratado para montar o show no Arsenal de Los Angeles, a medida que procurava grupos de corredores para avisar do show, percebeu que o esporte precisava de divulgação e revista própria. Petersen conseguiu US$ 250,00 e lançou a Hot Rod Magazine, vendeu a 1a edição nas escadas do local do show em janeiro de 1948.





Quando Petersen lançou a primeira edição e a vendeu nas escadarias como parte do show, fez algo genial por intuição. Pegou um nome mal aceito, que preocupava a todos e mostrou não haver problemas. “Discutimos muitas vezes sobre o nome, mas senti que, se limpássemos este nome, seria melhor que pegar outro que não significasse nada.” (Robert Petersen).
A Hot Rod Magazine foi um sucesso desde a primeira edição, e em pouco tempo Petersen conseguiu mudar o quartel general da revista de seu apartamento de um quarto para um escritório de verdade. Havia um público faminto por suas revistas, ele só precisava arrumar uma maneira de levá-las até eles.
Petersen usou a fama e o alcance de sua revista para promover o esporte. Com o crescimento do esporte, uma enorme indústria de acessórios começou a surgir. As pessoas faziam rodas, tanques de combustíveis, pneus, volantes e tudo que se possa imaginar. Era uma indústria multi-milionária que hoje é multi-bilionária. As crianças de todo país liam a revista e compravam peças para construir seus próprios carros, mas com o crescimento do esporte, cresceram seus problemas. Os Hot Rods corriam em todas as principais ruas da América e a pressão do público para eliminá-los aumentou. A maioria dos corredores era gente boa, mas havia como em qualquer área, aqueles que causavam problemas.
Petersen e outros esportistas sabiam que esta atitude criminosa precisava acabar se o esporte quisesse sobreviver. Não podiam contar com os produtores de filme B de Hollywood para ajudar. Os produtores estavam ocupados em faturar com a magia criminosa dos hot rods.
Os jovens corredores de racha deram a Hollywood muito a explorar, havia perigo, belas garotas, carros barulhentos e emocionantes, e os roteiristas dos filmes eram pressionados para escrever uma história plausível apesar disto nem sempre ser necessário. Os verdadeiros astros eram os hot rods, se o filme mostrasse muita ação e pneus derretendo os cinemas lotavam!
Nos anos 50 ainda havia muita pressão policial e muitos pilotos procuravam meios de impedir a publicidade ruim e os estereótipos negativos. Alguns clubes de carros, tinham um cartão de visita e sempre ajudavam as pessoas com problemas em seus carros, pois desejavam que os vissem como boas pessoas e não como pilantras.
Mas boas ações não eram suficientes, os rachas continuaram e surgia a necessidade premente de achar um lugar para os corredores competirem. A polícia não agüentava mais, os pilotos precisavam inventar alguma coisa. A solução? Uma corrida de dragsters organizada. Com o editorial da Hot Rod Magazine apoiando, os corredores formaram a Associação Nacional de Hot Rod – NHRA.
Mas com a pressão aumentando em cima dos corredores eles procuravam novos lugares para correr. Por isso Wally Paks (presidente da NHRA) e outros queriam arranjar uma pista reta. Toda publicidade negativa atrapalhava os esforços.
Mas alguns pilotos convenciam as autoridades locais a deixá-las a usar as pistas abandonadas de aeroportos para correr. No mundo do pós guerra haviam muitas bases aéreas abandonadas ideais para este tipo de corridas.
O primeiro encontro foi desorganizado, sem inscrições, sem inspeção, sem cronometragem, mas começavam a atrair multidões. E diferentemente de quando corriam nas ruas, não haviam perseguições policiais e as chances de ocorrer acidentes eram menores.
Parks e outros pensavam em como as corridas poderiam melhorar, e propuseram o drag race. A partir daí houve uma separação dos hot rods, pois começaram a construir carros específicos para as corridas da NHRA. Mas nem por isso o hot rod diminuiu.
Parece que os sonhos e o espírito criativo daqueles que inventaram os hot rods continua crescendo.
Enquanto alguém tiver paixão por carros, desempenho e desejo de liberdade, os hot rods continuarão vivendo eternamente como uma das favoritas máquinas dos sonhos!

segunda-feira, janeiro 25, 2010

Beatles e Dylan se encontram no Delmonico

por Edi Cavalcante.


Os anos 60 foram o ápice das grandes transformações culturais, sociais, comportamentais, e da opulência econômica que se seguiu ao pós-guerra. A música foi o principal vetor, e essa música era o Rock. Ninguém influenciou tanto uma geração e gerações vindouras como os Beatles, e possivelmente o único que pode rivalizar com eles em influência é Bob Dylan. Poeta, folk, político, um dos precursores da música de protesto, Dylan (nome emprestado de Dylan Thomas. O nome verdadeiro é Robert Zimmerman) rejeitava a imagem de cantor de músicas de protesto, ele preferia chamá-las de canções temáticas. Suas músicas, já no começo da década, inspiravam artistas como Peter, Paul & Mary, The Seekers e Joan Baez. Sua gene artística era ligada a Woody Goothrie, Dylan Thomas, e Beatniks.
A ‘Invasão Britânica’, liderada pelos Beatles, aconteceu em fevereiro de 1964, mas as portas foram abertas em dezembro de 1963, com o lançamento do compacto “I Want to Hold Your Hand”, que vendeu 2 milhões de cópias em uma semana e colocou o mercado fonográfico norte-americano em polvorosa e eletrizou a América pop. Nos primeiros meses de 1964, eles tinham atingido simultaneamente os 5 primeiros lugares das paradas (Bilboard, 4 de março de 1964). Com muito mais disponibilidade técnica que seus primos britânicos, músicos e letristas americanos ouviam incrédulos o espírito livre não-ortodoxo dos Beatles. Essa não ortodoxia foi uma das chaves características dos anos 60. Autodidatas como músicos, Lennon e McCartney, faziam descaso da educação e treinamento musical, porque achavam que isso mataria sua espontaneidade e soariam igual a todo mundo. Nessa atitude eles foram os primeiros, entre os jovens compositores ingleses do período. O trabalho de Jagger e Richards (The Rolling Stones), Ray Davies (The Kinks), Pete Townshend (The Who), Syd Barrett (Pink Floyd) e The Incredible String Band, também foram moldados num elemento cultivado de ‘auto-surpresa’. De fato, cada artista americano, branco ou negro, perguntados sobre I Want To Hold Your Hand, respondia mais ou menos a mesma coisa: ela alterou tudo, anunciando uma nova era e mudando suas vidas (v. Somach and Somach, passim; Dowlding, pp. 60-61). O poeta Allen Guinsberg, surpreendeu seus amigos intelectuais levando-os para dançar prazerosamente ao som de I Want To Hold Your Hand quando da primeira vez que ouviu em um night-club de Nova York.
Quando chegaram aos EUA em 1964, os Beatles acharam incrível descobrir o quanto os jovens norte-americanos estavam “por fora” (“unhip”). A geração que cresceu com cabelo escovinha, aparelho de dentes, ‘hot rods’ e Coca-Cola, não sabia nada de blues ou rithym & blues e tinham esquecido o rock’n’roll que havia excitado seus irmãos mais velhos não havia passado 5 anos. Nesse contexto, uma das mais poderosas correntes que animaram os anos 60 foi a emancipação dos negros. O impacto mais imediato disso na cultura branca foi através da música, começando pelos discos de blues, rock’n’roll e R&B, que entraram em Liverpool via lojas de produtos importados, que inspiraram os Beatles. A influência sobre eles de cantores negros, instrumentistas, compositores e produtores, foram, como nunca negaram em suas entrevistas, fundamentais para o início de suas carreiras. Revivendo o R&B dos 50 na primeira metade dos 60 com versões cover de discos de Chuck Berry, Little Richards, Larry Williams e The Isley Brothers, “os Beatles atuaram como os maiores condutores da energia negra, cujo estilo e sentimento dentro da cultura branca, ajudaram a restaurar uma revolução ‘permissiva’ em atitudes sexuais. Ainda que no começo faziam covers dos artistas da Motown, eles superaram em muito seus rivais em invenção melódica e harmônica, com suas imprevisíveis seqüências de acordes” (Ian MacDonald, Revolution in the Head).
Em agosto de 1964, o único hotel que os acolheu foi o Delmonico, porque na visita de janeiro do mesmo ano (Plaza Hotel), foi impossível controlar os distúrbios causados por um número incalculável de fãs, e nenhum hotel queria correr o risco de ser depredado. E foi lá que aconteceu o encontro (28 de agosto de1964) que mudaria o cenário do que rolaria na segunda metade dos 60, uma hora depois da apresentação no Forest Hills Tennis Stadium, lotado com uma platéia de 30.000 adolescentes.
Oa Beatles já conheciam Bob Dylan do LP “Freewheelin”, que Paul comprara durante a tour a Paris no mesmo ano. Foi Al Aronowitz, colunista do New York Post e amigo de Bob Dylan quem coordenou o encontro. Lennon havia dito em entrevista a Al que reconhecia em Dylan um “ego igual.” Quando os Beatles passaram por Nova York, Lennon ligou para o Al perguntando por Dylan. Al telefonou para Dylan e combinaram o encontro. “Olhando em retrospecto, eu ainda vejo aquela noite como um dos grandes momentos da minha vida. Na verdade, eu tinha consciência de que estava dando início ao encontro mais frutífero na história da música pop, pelo menos até então. Meu objetivo foi fazer acontecer o que aconteceu, que foi a melhor música de nossa época. Eu fico feliz com a idéia de que eu fui o arquiteto, um participante e o cronista de um momento-chave da história.” E ainda ” Até a vinda do rap, a música pop era largamente derivada daquela noite no Delmonico. Aquele encontro não mudou apenas a música pop, mudou nosso tempo.” Al Aronowitz, nos 40 anos do encontro (v. Encontro entre Bob Dylan e os Beatles faz 40 anos. Alexandre Matias, Ilustrada, Folha de São Paulo, 28 de agosto de 2004).
Bob Dylan recusou as champagnes, os vinhos franceses e os estimulantes oferecidos e perguntou se não preferiam algo mais ‘orgânico’. Ele pensou que os Beatles fumavam porque confundiu a linha ‘I can’t hide’(‘não consigo esconder’, parte de I Want To Hold Your Hand), com ‘I get hight’ (estou doidão, chapado). E divertiu-se com o fato de ser o homem que fez os Beatles viajarem ao experimentarem maconha pela primeira vez.
Depois desse encontro*, ficou claro para os integrantes da banda inglesa, que era fundamental investir em letras mais elaboradas, com mais conteúdo, já que investiam mais em sonoridade, e dessa forma somar mais qualidade às suas canções. “I’m a Loser”, escrita em Paris 10 dias antes do famoso encontro, e outras como “No Reply”, “I Don’t Want To Spoil The Party” e “You’ve Got To Hide Your Love Away”, são músicas ‘dylanianas’, e mostram o impacto que as músicas de Dylan tiveram sobre eles. Esse encontro é considerado o ponto de partida para a fase psicodélica dos Beatles.
Mas, para Dylan, a vitalidade musical dos Beatles, estimulou seu retorno ao rock-and-roll que o havia motivado na adolescência, cujo resultado foi “Bringing It All Back Home”, um dos álbuns mais influentes da década. Além do mais, em uma época de experimentações, o mundo folk tornou-se limitado, sufocando-o e categorizando-o como cantor de protesto. Foi um encontro fertilizador em uma escala que se ampliaria para além de qualquer expectativa. As ondas do rock inglês já haviam chegado às costas americanas, retribuindo de certa forma, os blues e os rocks que antes haviam aportado em lugares como Liverpool, por exemplo.
* Quando o telefone tocava, Dylan atendia e dizia : “Aqui é a beatlemania”. E John : “Ficamos queimando fumo, bebendo vinho, conversando sobre rock, dando boas risadas, uma coisa meio surrealista. Era hora de festejar.” (v. The Beatles, A Biografia, Bob Spitz, Larousse).