segunda-feira, janeiro 25, 2010

Beatles e Dylan se encontram no Delmonico

por Edi Cavalcante.


Os anos 60 foram o ápice das grandes transformações culturais, sociais, comportamentais, e da opulência econômica que se seguiu ao pós-guerra. A música foi o principal vetor, e essa música era o Rock. Ninguém influenciou tanto uma geração e gerações vindouras como os Beatles, e possivelmente o único que pode rivalizar com eles em influência é Bob Dylan. Poeta, folk, político, um dos precursores da música de protesto, Dylan (nome emprestado de Dylan Thomas. O nome verdadeiro é Robert Zimmerman) rejeitava a imagem de cantor de músicas de protesto, ele preferia chamá-las de canções temáticas. Suas músicas, já no começo da década, inspiravam artistas como Peter, Paul & Mary, The Seekers e Joan Baez. Sua gene artística era ligada a Woody Goothrie, Dylan Thomas, e Beatniks.
A ‘Invasão Britânica’, liderada pelos Beatles, aconteceu em fevereiro de 1964, mas as portas foram abertas em dezembro de 1963, com o lançamento do compacto “I Want to Hold Your Hand”, que vendeu 2 milhões de cópias em uma semana e colocou o mercado fonográfico norte-americano em polvorosa e eletrizou a América pop. Nos primeiros meses de 1964, eles tinham atingido simultaneamente os 5 primeiros lugares das paradas (Bilboard, 4 de março de 1964). Com muito mais disponibilidade técnica que seus primos britânicos, músicos e letristas americanos ouviam incrédulos o espírito livre não-ortodoxo dos Beatles. Essa não ortodoxia foi uma das chaves características dos anos 60. Autodidatas como músicos, Lennon e McCartney, faziam descaso da educação e treinamento musical, porque achavam que isso mataria sua espontaneidade e soariam igual a todo mundo. Nessa atitude eles foram os primeiros, entre os jovens compositores ingleses do período. O trabalho de Jagger e Richards (The Rolling Stones), Ray Davies (The Kinks), Pete Townshend (The Who), Syd Barrett (Pink Floyd) e The Incredible String Band, também foram moldados num elemento cultivado de ‘auto-surpresa’. De fato, cada artista americano, branco ou negro, perguntados sobre I Want To Hold Your Hand, respondia mais ou menos a mesma coisa: ela alterou tudo, anunciando uma nova era e mudando suas vidas (v. Somach and Somach, passim; Dowlding, pp. 60-61). O poeta Allen Guinsberg, surpreendeu seus amigos intelectuais levando-os para dançar prazerosamente ao som de I Want To Hold Your Hand quando da primeira vez que ouviu em um night-club de Nova York.
Quando chegaram aos EUA em 1964, os Beatles acharam incrível descobrir o quanto os jovens norte-americanos estavam “por fora” (“unhip”). A geração que cresceu com cabelo escovinha, aparelho de dentes, ‘hot rods’ e Coca-Cola, não sabia nada de blues ou rithym & blues e tinham esquecido o rock’n’roll que havia excitado seus irmãos mais velhos não havia passado 5 anos. Nesse contexto, uma das mais poderosas correntes que animaram os anos 60 foi a emancipação dos negros. O impacto mais imediato disso na cultura branca foi através da música, começando pelos discos de blues, rock’n’roll e R&B, que entraram em Liverpool via lojas de produtos importados, que inspiraram os Beatles. A influência sobre eles de cantores negros, instrumentistas, compositores e produtores, foram, como nunca negaram em suas entrevistas, fundamentais para o início de suas carreiras. Revivendo o R&B dos 50 na primeira metade dos 60 com versões cover de discos de Chuck Berry, Little Richards, Larry Williams e The Isley Brothers, “os Beatles atuaram como os maiores condutores da energia negra, cujo estilo e sentimento dentro da cultura branca, ajudaram a restaurar uma revolução ‘permissiva’ em atitudes sexuais. Ainda que no começo faziam covers dos artistas da Motown, eles superaram em muito seus rivais em invenção melódica e harmônica, com suas imprevisíveis seqüências de acordes” (Ian MacDonald, Revolution in the Head).
Em agosto de 1964, o único hotel que os acolheu foi o Delmonico, porque na visita de janeiro do mesmo ano (Plaza Hotel), foi impossível controlar os distúrbios causados por um número incalculável de fãs, e nenhum hotel queria correr o risco de ser depredado. E foi lá que aconteceu o encontro (28 de agosto de1964) que mudaria o cenário do que rolaria na segunda metade dos 60, uma hora depois da apresentação no Forest Hills Tennis Stadium, lotado com uma platéia de 30.000 adolescentes.
Oa Beatles já conheciam Bob Dylan do LP “Freewheelin”, que Paul comprara durante a tour a Paris no mesmo ano. Foi Al Aronowitz, colunista do New York Post e amigo de Bob Dylan quem coordenou o encontro. Lennon havia dito em entrevista a Al que reconhecia em Dylan um “ego igual.” Quando os Beatles passaram por Nova York, Lennon ligou para o Al perguntando por Dylan. Al telefonou para Dylan e combinaram o encontro. “Olhando em retrospecto, eu ainda vejo aquela noite como um dos grandes momentos da minha vida. Na verdade, eu tinha consciência de que estava dando início ao encontro mais frutífero na história da música pop, pelo menos até então. Meu objetivo foi fazer acontecer o que aconteceu, que foi a melhor música de nossa época. Eu fico feliz com a idéia de que eu fui o arquiteto, um participante e o cronista de um momento-chave da história.” E ainda ” Até a vinda do rap, a música pop era largamente derivada daquela noite no Delmonico. Aquele encontro não mudou apenas a música pop, mudou nosso tempo.” Al Aronowitz, nos 40 anos do encontro (v. Encontro entre Bob Dylan e os Beatles faz 40 anos. Alexandre Matias, Ilustrada, Folha de São Paulo, 28 de agosto de 2004).
Bob Dylan recusou as champagnes, os vinhos franceses e os estimulantes oferecidos e perguntou se não preferiam algo mais ‘orgânico’. Ele pensou que os Beatles fumavam porque confundiu a linha ‘I can’t hide’(‘não consigo esconder’, parte de I Want To Hold Your Hand), com ‘I get hight’ (estou doidão, chapado). E divertiu-se com o fato de ser o homem que fez os Beatles viajarem ao experimentarem maconha pela primeira vez.
Depois desse encontro*, ficou claro para os integrantes da banda inglesa, que era fundamental investir em letras mais elaboradas, com mais conteúdo, já que investiam mais em sonoridade, e dessa forma somar mais qualidade às suas canções. “I’m a Loser”, escrita em Paris 10 dias antes do famoso encontro, e outras como “No Reply”, “I Don’t Want To Spoil The Party” e “You’ve Got To Hide Your Love Away”, são músicas ‘dylanianas’, e mostram o impacto que as músicas de Dylan tiveram sobre eles. Esse encontro é considerado o ponto de partida para a fase psicodélica dos Beatles.
Mas, para Dylan, a vitalidade musical dos Beatles, estimulou seu retorno ao rock-and-roll que o havia motivado na adolescência, cujo resultado foi “Bringing It All Back Home”, um dos álbuns mais influentes da década. Além do mais, em uma época de experimentações, o mundo folk tornou-se limitado, sufocando-o e categorizando-o como cantor de protesto. Foi um encontro fertilizador em uma escala que se ampliaria para além de qualquer expectativa. As ondas do rock inglês já haviam chegado às costas americanas, retribuindo de certa forma, os blues e os rocks que antes haviam aportado em lugares como Liverpool, por exemplo.
* Quando o telefone tocava, Dylan atendia e dizia : “Aqui é a beatlemania”. E John : “Ficamos queimando fumo, bebendo vinho, conversando sobre rock, dando boas risadas, uma coisa meio surrealista. Era hora de festejar.” (v. The Beatles, A Biografia, Bob Spitz, Larousse).

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